segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Estratégia: evolução histórica dos domínios e limitações



A evolução histórica dos estudos de estratégia nas organizações passa obrigatoriamente pelos trabalhos dos autores americanos Alfred Chandler em “Estratégia e estrutura”; Kenneth Andrews em “Política de negócios, textos e casos” e Igor Ansoff em “Estratégia corporativa”. Chandler e Andrews foram professores ligados a Harvard Business School- instituição pioneira no estudo da estratégia. Fundada em 1908, foi uma das primeiras escolas a promover a ideia de que os gerentes deveriam ser preparados para pensar de forma estratégica, em substituição ao papel reducionista de agentes atuantes em áreas funcionais da empresa.


Luiz Paulo Bignetti e Ely Laureano Paiva, em “Ora (direis) ouvir estrelas! Estudo das citações de autores de estratégia na produção acadêmica brasileira”, classificam como deterministas os primeiros autores na área de estratégia. Ou seja, essas teorias pioneiras propõem que os tomadores de decisão no processo estratégico aceitam o fato de que dado ambiente externo é incontrolável, imutável e atuam internamente para compensar os efeitos negativos das influências externas.
  Com base na dicotomia “estratégia versus estrutura”, Chandler realizou uma investigação histórica sobre mudanças estruturais de grandes empresas americanas – DuPont, GM, Standard Oil e Sears Roebuck. A partir desses estudos, ficou reconhecida a importância da estrutura multidivisional ou forma “M”, considerada uma forma inovadora de resposta estratégica aos problemas de coordenação e controle que surgiram nos momentos de diversificação da produção.
  Ansoff apresenta o planejamento enquanto processo formal de estabelecimento de objetivos e de fixação de programas de ação e estratégias funcionais. Em seus escritos, há ênfase no processo estratégico racional e orientado para o planejamento, pensamento contrário ao conceito de estratégia como gerenciamento amplo da política de negócios, emanado dos estudos de Harvard.


  A história da estratégia, enquanto área do conhecimento, também deve parte de seus avanços às grandes consultorias americanas McKinsey, Boston Consulting Group- BCG e Bain. Essas empresas foram responsáveis pelo desenvolvimento e pela difusão de uma linguagem e técnicas próprias do campo da estratégia.
  Foi também relevante para a evolução de novos paradigmas no campo da estratégia a criação, entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, do “Strategic Management Journal - SMJ”- título em Inglês do “Jornal de Gerenciamento Estratégico” e da "Strategic Management Society - SMS" - nome em Inglês da "Sociedade de Gerenciamento Estratégico", importantes fóruns de discussão acadêmica, empresarial e de consultoria. Dan Schendel, principal responsável responsável pela criação do SMJ e da SMS, defendia a necessidade de um tratamento mais acadêmico, analítico, positivista e quantitativo do tema. Suas ideias eram oposicionistas à abordagem predominantemente subjetiva dos estudos realizados em Harvard.
  Os anos 80 foram marcados no campo da estratégia pela publicação de trabalhos de Michael Porter em “Estratégia competitiva”, considerado até hoje um dos autores mais importantes da área. Com obras fortemente influenciadas pela teoria econômica, sua principal contribuição consiste na tradução de termos e conceitos próprios da organização indistrial (IO- Industrial Organization) para o campo da gestão estratégica. Esta variação de foco, do tradicional “de dentro para fora” para o novo “de fora para dentro”, acrescentou à estratégia uma visão mais ampla dos fatores envolvidos nos processos de decisão. A partir desta incursão teórica, outras subáreas da economia passaram a influenciar a área da estratégia, entre elas, a teoria dos jogos, teoria da agência, teoria dos curtos de transação e teorias evolucionárias da economia. Uma análise histórica da influência dos modelos teóricos de Porter permite considerar que seu impacto é mais fortemente percebido, hoje, nas práticas de negócios e consultorias do que propriamente nas agendas de pesquisa acadêmica. Esta constatação reflete também a tendência claramente normativa de seus trabalhos.
  Ainda a respeito do desenvolvimento teórico em torno do interesse pela administração estratégica; destacam-se a teoria da empresa baseada em recursos; enunciada por T. C. Penrose, em “The theory of the growth of the firm”; B. A. Wernerfelt, em “A resource-based view of the firm” e a teoria das competência essenciais enunciadas por C. K. Prahalad em “The core competence of the corporation” e C. K. Prahalad e G. Hamel em “Competing for the future”. Comparando às explicações anteriores, revela-se nestas teorias uma mudança de foco de análise. Inclui-se, a partir destas proposições teóricas, a dinâmica dos ativos tangíveis e intangíveis presentes nas organizações: o capital intelectual, o conhecimento, a inovação em processo, entre outros elementos. Alguns autores consideram a teoria da gestão do conhecimento, em particular, uma solução alternativa para a unificação entre os paradigmas da área.
  Pode-se observar ainda que cada teoria predominante em determinada fase da evolução dos estudos em estratégia correspondem variações nos níveis de análise e nos métodos de pesquisa utilizados. Enquanto as primeiras pesquisas utilizavam estudos de caso, teorias com base econômica passaram a utilizar bancos de dados e análises econométricas. Teorias mais recentes voltaram a fazer uso de estudos de caso mesclados ao survey, com uma forte tendência de estudos multimétodos para o futuro da área. O campo da estratégia é apontado por alguns autores como o balançar de um pêndulo que ora caminha em direção ao aspecto econômico, ora caminha no sentido de valorizar aspectos relacionados ao acesso a recursos ambientais e ao conhecimento.
  Neste sentido; Andrew M. Pettigrew, Howard Thomas e Richard Whittington, em “Manual de estratégia e gerenciamento”; encorajam a necessidade de maior diversidade do contexto de pesquisas, temas, paradigmas e perspectivas em estratégia. Espera-se, para o futuro, que aumente consideravelmente a quantidade de trabalhos no campo da estratégia provenientes de todas as partes do mundo e não somente dos Estados Unidos ou da Europa.
  Outro importante avanço no campo da estratégia tem sido a percepção de que o desenvolvimento de estratégias nem sempre pode ser apreendido como um processo linear, cartesiano ou determinístico. Até mesmo o postulado de Chandler – a estrutura segue a estratégia – teve de ser ampliado considerando-se a possibilidade de que a estratégia possa segui a estrutura. Neste sentido, a perspectiva indeterminista apresenta uma colaboração crucial, ao introduzir a ideia da dependência da trajetória. Dessa forma, dissolvem-se as fronteiras que separam organização e ambiente, incluindo a ideia de que pertencem ao mesmo continuum. A teoria passa a considerar a existência, muitas vezes simultânea, de estratégias planejadas, estratégias emergentes ou até mesmo da influência de estratégias não realizadas.
  De modo similar, a evolução dos estudos de estratégia diminui cada vez mais a tendência dicotômica do campo. Questiona-se, por exemplo, a separação entre formulação e implementação estratégica, entre conteúdo e processo estratégico.
  É preciso destacar, ainda, a necessidade de contribuições, sob a forma de estudos e pesquisas, a respeito do conceito de estratégia e da própria gestão estratégica em diferentes setores empresariais, incluindo as empresas públicas, as start-ups (nascentes de base tecnológica ainda em fase de projeto ou empresas inovadoras ainda em fase de formação), as organizações em fins econômicos e as instituições internacionais.
  Outros temas relevantes incluem o impacto da internet e os investimentos em tecnologia da informação na estratégia empresarial, além de temas ligados ao relacionamento entre os negócios e a sociedade em geral. Em face dos graves problemas sociais enfrentados atualmente, parece impensável trazer para o centro das discussões uma análise mais ampla do impacto social das organizações, questões relativas a reputação e identidade, além de questões éticas que envolvem a vantagem competitiva entre as empresas e o relacionamento com seus stakeholders (partes interessadas).
  Finalmente, qualquer análise do campo da estratégia não pode desprezar a influência da cultura norte-americana na formulação de conceitos e teorias. Nesse sentido, há um desafia presente na busca por padrões a serem identificados a partir de estudos entre organizações e entre sociedades provenientes de outras origens culturais. As tecnologias da informação podem ser elementos facilitadores na realização de pesquisas entre acadêmicos de diferentes partes do mundo.
  Outro desafio recente é o alinhamento entre temas relevantes para a prática da gestão estratégica e a qualidade da pesquisa acadêmica. Considerava-se, neste contexto, um aumento perceptível na complexidade ambiental e na variedade de elementos dinâmicos e evolutivos envolvidos nos processos de decisão estratégica. As teorias de redes, do caos e da complexidade exemplificam tentativas de explicação teórica para fatores organizacionais internos e ambientais potencialmente relacionados à área da estratégia.

Cláudio Márcio Araújo da Gama

Florianópolis / SC
http://marcio.gama.zip.net

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